Em um pequeno texto de 1916, Freud nos conta sobre a recordação de um breve passeio de verão em meio a natureza ao lado de dois amigos, sendo um deles um jovem poeta que contemplando a beleza do lugar, lamentava: Caro Dr. Freud, fico triste ao constatar que toda essa beleza natural que observamos, assim como toda a beleza criada pelos homens, está fadada à extinção.
Freud pondera sobre o que seu amigo queria dizer com tal constatação pois, tudo aquilo que o poeta, em alguma circunstância de sua vida, teria amado e admirado, parecia lhe sem valor algum por estar fadado à transitoriedade.
Em sua reflexão Freud chega no oposto de seu jovem amigo: só porque as coisas no mundo são efêmeras que são preciosas. O valor da transitoriedade consiste no significado que atribuímos aos objetos e isso não depende de sua permanência no tempo.
Contudo, Freud percebeu que tal consideração não diminuiu o estado de espírito de seus amigos, isso porque constata que a incapacidade de viver o luto desvalorizava uma compreensão da transitoriedade como valor.
Freud nos conta que um ano após esse agradável passeio em meio a natureza e a amizade veio a guerra, destruindo não só a natureza mas também as obras de arte, os monumentos históricos, a alegria, a sensação de bem-estar diante de boas companhias e tudo aquilo que se pensava eterno, estável e imutável.
A incompreensão da transitoriedade como valor em si pode levar a alguns estados de sentimento que vem justamente dessa relação do sujeito com o tempo e se deve, como Freud aponta no texto de 1916, a uma tentativa de preservar intacto tudo que é belo, da decadência adiada como uma exigência de imortalidade própria da fantasia. Isto se encadeia com a ideia de felicidade. Em nossa vida quotidiana essa fantasia é alimentada como ideal na mídia, revistas, livros, academias de ginástica, dicas de alimentação e dietas, nos esportes, nas redes sociais na internet, como a preservação da juventude e boa forma como mercadoria. Para tanto é capaz de mobilizar certos valores ideológicos, estéticos, morais e políticos nem sempre tão explícitos.
Pode surgir também uma indiferença completa diante do mundo, já que tudo se destina a destruição, não haveria razão alguma para se importar com qualquer coisa. A noção de transitoriedade apontaria então para um sujeito limitado, cuja felicidade é adiada de maneira injusta já que a morte é uma certeza apontando para um desamparo. Aqui toma forma o sujeito melancólico que sabe que algo se perdeu, mas não tem noção do que foi perdido.
Ainda um outro movimento pode levar a uma indignação feroz, já que o fim de tudo é inevitável o ressentimento como sentimento toma a forma da agressividade já que pela morte algo está sendo tirado. Como na cena do filme clube da luta onde um sujeito esmurra um rapaz alegando que precisava destruir uma coisa bela.
A transitoriedade nos remete ao um estar em trânsito, em vez de um “ser” nos leva a um não ser para que se possa inventar e criar um caminho diferente da conservação, da melancolia e da agressividade. Movimento esses que apontam a tentativa de apagamento da pulsão. Desenrolar um “nada sou”, estático do estado melancólico para um: “….mas posso vir a ser”.
Referencia:
FREUD, S. Transitoriedade (1916) In: Obras incompletas de Sigmund Freud: arte, literatura e os artistas. Autentica Editora, 2018.